quinta-feira, 2 de abril de 2015

Recomenda a adoção de iniciativas urgentes para a defesa e sustentabilidade do setor leiteiro nacional na sequência do fim do regime de quotas leiteiras na União Europeia

O regime de quotas leiteiras da União Europeia, em vigor desde 1984 com o objetivo imediato de controlar os excessos de produção, termina a 31 de março de 2015 vulnerabilizando a fileira portuguesa do leite e colocando-a em sério risco.
Este importante setor tem sido regulado nas últimas décadas pelo sistema de quotas leiteiras, uma medida de âmbito europeu que permitiu o equilíbrio entre a oferta e a procura de leite e seus derivados, obrigando a algum equilíbrio relativo nas produções entre Estados-membros.
Este regime de quotas, que definia limites nos quantitativos nacionais de leite, permitia essa contenção em países mais produtivos e competitivos, não só por razões tecnológicas ou de organização, mas principalmente por diferentes condições edafoclimáticas decisivas na produtividade desta atividade (quase 70% da produção da UE está concentrada em apenas 6 países - Alemanha, França, Reino Unido, Holanda, Itália e Polónia), e abria espaço próprio de mercado para as produções de países mais vulneráveis.
Aplicado no território nacional desde janeiro de 1991, o sistema de quotas entre os vários Estados-membros contribuiu para que Portugal, num contexto europeu de livre circulação de mercadorias, atingisse a autossuficiência na produção de leite, ao mesmo tempo que o setor atingia a nível nacional um assinalável nível de organização associativo e cooperativo, com bacias leiteiras significativas em regiões como as de Entre Douro e Minho, Beira Litoral e Açores.
Atualmente, existem cerca de 7000 explorações leiteiras em Portugal, com capacidade produtiva e condições tecnológicas significativas, e aproximadamente 100 mil postos de trabalho e mais de 2 mil milhões de euros gerados pelo setor, da produção à transformação. A sua relevância económica e social, bem como a sua importância na autossuficiência alimentar, são inquestionáveis.
As maiores fragilidades decorrem, principalmente, dos crescentes custos dos fatores de produção de que o setor depende, que provocam a erosão das já estreitas margens praticadas nos preços pagos aos produtores, e da pressão exercida pela grande distribuição sobre as margens da transformação e da produção, nomeadamente pela importação de leite a baixo preço disponibilizado nas marcas brancas que agrava o desequilíbrio existente na distribuição do rendimento na cadeia de valor.
O fim do regime das quotas leiteiras é uma medida radical que pode provocar a implosão do setor em Portugal, caso o Governo não impulsione um plano de medidas urgentes que procurem defender a estrutura produtiva face à liberalização. O previsível aumento da produção em outros países europeus - só em 2014 verificou-se um crescimento superior a 5% - já se faz sentir desde que começou a fase de transição para a eliminação das quotas.
O excesso de leite produzido na UE com a liberalização, devido ao desequilíbrio entre a oferta e a procura internas, cruza-se nesta conjuntura com a quebra das cotações da manteiga e do leite em pó, o embargo da Rússia aos produtos agroalimentares da UE, o abrandamento das importações pela China e a diminuição dos preços pagos à produção, criando uma convergência de fatores que alguns já designam como “a tempestade perfeita”.
A possibilidade desta conjuntura ter efeitos dramáticos no setor num contexto pós quotas, tem sido referido como expectável por vários especialistas. Manifestam, igualmente, perplexidade pela ausência ao nível europeu de instrumentos de política eficazes para prevenir e reagir a um cenário com tais contornos. O chamado “pacote leite”, que pretendia uma melhor contratualização da produção, tem limitações já reconhecidas pelos próprios legisladores, e o Observatório do Mercado do Leite não demonstra, só por si, qualquer capacidade para enfrentar a situação.
As declarações do Comissário Europeu responsável pela Agricultura e Desenvolvimento Rural na conferência de imprensa do passado dia 26 de março, em Bruxelas, sobre o fim das quotas leiteiras na UE, são preocupantes. Phil Hogan refere que “pela primeira vez em mais de 30 anos serão as forças de mercado a determinar a quantidade de leite produzida na Europa”, como se esse facto constituísse um valor em si, independentemente das suas consequências económicas e sociais, nomeadamente nas regiões da UE com maiores dificuldades. Aliás, sobre esta matéria o Comissário Europeu adianta que “para as zonas mais vulneráveis, nas quais o fim do regime de quotas pode ser encarado como uma ameaça, está prevista uma série de medidas de desenvolvimento rural, em consonância com o princípio da subsidiariedade”, numa clara assunção de que, nesses casos, o tecido produtivo leiteiro desaparecerá. Não pode deixar de ser tido em conta que se trata de um setor altamente especializado que incorpora elevados níveis de conhecimento e de tecnologia, que dificulta a reconversão das explorações.
Perante este quadro, espera-se que o Governo português, em articulação com as várias organizações e entidades ligadas ao setor leiteiro, assuma propostas e medidas de política, concretas e eficazes, no âmbito das suas obrigações nacionais e da sua intervenção na UE, em natural convergência com outros Estados-membros afetados, que tenham como objetivo regular e preservar a produção de leite no espaço comunitário, evitando uma crise no setor e um recuo de efeitos desastrosos na capacidade produtiva leiteira nas regiões mais vulneráveis, com particular atenção para as bacias leiteiras nacionais.
Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo:
1. Que intervenha a nível nacional e no âmbito da UE para a criação de ferramentas que garantam a regulação do mercado do leite, desde a produção ao consumidor final, de modo a garantir condições adequadas para a produção nacional e uma mais justa distribuição das mais-valias ao longo da cadeia.
2. Que reformule a aplicação das ajudas diretas aos agricultores prevista no primeiro pilar da PAC, nomeadamente o Regime de Pagamento Base e a ecologização (greening), substituindo o “histórico” como base para o cálculo e acesso às ajudas por critérios regionais de acordo com as especificidades culturais e estruturais de cada região. A opção pela regionalização destas ajudas é competência de cada Estado membro e no caso português, tendo em conta a enorme diversidade territorial e de características agrícolas, devem ser introduzidos desta forma critérios de justiça na distribuição da maior fatia do orçamento da PAC – o primeiro pilar.
3. Que crie um regime de incentivos à reestruturação das explorações leiteiras que, por via da evolução do mercado após a liberalização da produção (fim das quotas), percam viabilidade económica e se vejam obrigadas a encerrar a atividade. Este regime deverá ser equivalente ao apoio à instalação de jovens agricultores (Ação 3.1.1 - Jovens Agricultores), nomeadamente com direito a prémio, neste caso não de instalação mas de reestruturação, com majoração na medida de apoio ao investimento prevista na exploração no PDR 2020 (Ação 3.2.1 - Investimento na exploração agrícola), formação profissional e aconselhamento técnico com vista à adaptação do agricultor à nova realidade.
4. Que promova a criação de Redes de Inovação Agro-Rural que permitam o trabalho em rede e em parceria entre agricultores, organizações de produtores, serviços competentes do Ministério da Agricultura e as adequadas estruturas de investigação e experimentação agrárias. Esta rede deverá funcionar de forma desburocratizada, com base, fundamentalmente, nos recursos de cada entidade parceira, o mais possível com recurso às novas tecnologias de informação e da comunicação e deverão servir para partilha de informação e de conhecimento, para produção de conhecimento com base em processos de experimentação participada e partilhada e ainda para troca de experiências entre produtores. Estas redes devem ser adaptadas aos novos perfis de conhecimento dos/as agricultoras e será desejável que as DRAP assumam um papel de animação do funcionamento das redes.
5. Que altere as regras para o reconhecimento das OP - Organizações de Produtores, de acordo com critérios regionais e/ou dos diferentes sistemas culturais de modo a permitir a integração de todos os produtores, nomeadamente os associados das pequenas cooperativas leiteiras, detentores de explorações agrícolas familiares tradicionais e policulturais, produtores de produtos com IGP, DOP, MPB e nichos de mercado, tais como as culturas mais recentes de pequenos frutos, cogumelos e plantas aromáticas e medicinais. Quase todas as medidas previstas no PDR 2020 preveem majorações nos apoios para os agricultores ou candidatos a jovens agricultores que estejam associados a OP, contudo a larga maioria está impossibilitada de aderir livremente a uma OP por não existir no seu sector ou região.

Assembleia da República, 31 de março de 2015.
As Deputadas e os Deputados do Bloco de Esquerda,

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